A trajetória da poliomielite no Brasil é pouco lembrada, devido ao relevante declínio e à baixa incidência da doença nas últimas décadas. Antes de ser considerada erradicada no país, em 1994, no entanto, a pólio marcou o cenário brasileiro, sobretudo no período de 1950 até 1980. Crianças vítimas da doença, também conhecida como paralisia infantil, se locomoviam com dificuldade e com a ajuda de aparelhos ortopédicos rústicos. Quadros de febre ou fraqueza muscular causavam preocupação e pavor nos pais, que pensavam na possibilidade de ser poliomielite.
Foi na década de 1950, especialmente pela eclosão de epidemias no Rio de Janeiro e em São Paulo, que a doença passou a ser vista como um importante problema de saúde pública. A enfermidade foi uma das mais estudadas durante a primeira metade do século XX. O último caso foi registrado no Brasil em 1989. Apesar disso, a queda da cobertura vacinal no país tem gerado preocupação entre profissionais da saúde, que veem riscos de a doença voltar e, por isso, enfatizam a importância da imunização.
brasil-poliomelite
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(foto: Editoria de Arte)
Milhares de pessoas foram afetadas pela poliomielite no Brasil. A doença se tornou progressivamente responsável por causar paralisias musculares em crianças e, em casos mais graves, quadros de paralisia respiratória.
O médico sanitarista da Fiocruz Cláudio Maierovitch conta que, na época em que a vacina ainda não tinha sido desenvolvida, havia um equipamento chamado pulmão de aço que auxiliava no tratamento de insuficiência respiratória grave.”Quando a poliomielite paralisa os músculos do peito, a pessoa não consegue respirar. Assim, o pulmão de aço — semelhante a um compartimento metálico — já foi uma visão comum nas enfermarias de pólio. Era uma situação muito triste, porque as pessoas ficavam dependentes de aparelhos para o resto da vida”, explica Maierovitch.
A eliminação da poliomielite no Brasil demandou intensa mobilização de recursos institucionais, tecnológicos e sociais. Especialistas frisam que, com a criação do Sistema único de Saúde (SUS) em 1988, passou a vigorar uma política de vacinação mais sistemática.
Gotinha
Maierovitch explica que, em 1960, abriu-se a possibilidade da imunização contra a paralisia infantil a partir do registro de duas vacinas eficazes: a Salk, injetável, e a Sabin, da “gotinha”. “A primeira vacina implementada foi a do (pesquisador norte-americano Jonas) Salk, mas depois da chegada da vacina oral de poliovírus atenuada, a Sabin (criada pelo cientista de origem polonesa Albert Sabin) passou a ser a mais utilizada.”
Ele observa que um dos fatores positivos da vacina Sabin é a facilidade na aplicação, além do baixo custo “e da propriedade de estimular a imunidade da mucosa intestinal e espalhar, por meio das fezes, o vírus atenuado, capaz de imunizar mesmo crianças não vacinadas ao entrarem em contato com ele nas regiões desprovidas de saneamento básico”. Ambas as vacinas são igualmente eficazes contra a poliomielite e foram fundamentais para mudar a trajetória da doença no país.
Na avaliação do pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, Edson Elias, a institucionalização da estratégia de dias nacionais de vacinação, em 1980, foi um dos passos decisivos para frear o vírus da pólio.
A Organização Mundial da Saúde estima que 20 milhões de pessoas que hoje podem andar estariam paralisadas se não houvesse as vacinas. No Brasil, apesar de todos os avanços, desde 2015, a vacinação contra a polio vem sofrendo uma queda significativa.
A campanha deste ano teve início em 8 de agosto. A previsão era que ela acabasse em 9 de setembro, no entanto, o Ministério da Saúde resolveu prorrogá-la devido à baixa adesão do público alvo.
No Dia Nacional da Vacinação, a cobertura contra a pólio atingiu 65,6%, longe do objetivo de imunizar, pelo menos, 95% das crianças na faixa etária de 1 a 5 anos de idade. A Paraíba foi o único estado a alcançar a meta, 67 dias após o início da campanha, segundo o Ministério da Saúde.
Caso suspeito
Em meio aos temores pela queda da cobertura vacinal, a Secretaria de saúde do Pará chegou a investigar, no início deste mês, um caso suspeito de poliomielite em uma criança de três anos. O paciente tinha o esquema vacinal incompleto para a doença. Felizmente, o caso não se confirmou.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga reforça a importância dos pais levarem os filhos para vacinar. “Precisamos vacinar a população, principalmente nossas crianças. É inaceitável que, em pleno século 21, tenhamos sofrimento por doenças que já estão erradicadas há muito tempo”, afirma.
De acordo com o pesquisador Edson Elias, da Fiocruz, a poliomielite continua sendo uma doença de grande relevância no Brasil e no mundo.
“A pólio não perdeu relevância. As pessoas é que, por uma falsa sensação de segurança, estão perdendo interesse em levar os filhos para vacinar. Enquanto existir o vírus que causa paralisia, a doença vai continuar tendo relevância e importância. Essa doença pode acabar com a vida de uma criança”, ressalta o pesquisador.
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) tem alertado que Brasil, República Dominicana, Haiti e Peru correm um risco altíssimo de reintrodução da poliomielite devido a baixa adesão à vacina.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil é um dos maiores do mundo, oferecendo 45 diferentes imunobiológicos para toda a população. Há vacinas destinadas a todas as faixas-etárias e campanhas anuais para atualização da caderneta de vacinação.
Porém segundo especialistas, a falta de campanhas de comunicação, uma desconfiança generalizada nas autoridades e a sensação de que essa doença não preocupa mais são alguns dos fatores que aumentam o risco de ressurgimento da doença.
*Estagiárias sob a supervisão de Odail Figueiredo Correio Braziliense